Seguir todas as leis comportamentais, jurídicas, civis,
maternas, matriarcais, sociais, amorosas... Helô sempre foi a garota certinha,
dentro das leis, desde muito cedo. Aprendera que só seria possível viver
organizadamente, civilizadamente desta forma. Era sempre centrada, não só em seu
trabalho, dedicada demais quando focava em algo. Tantas vezes chamada de
careta, certinha, dura... Mas sempre firme em sua posição moral. Porém naquele
dia ela estava diferente. Na verdade andava bastante diferente. Apostou em uma
nova Heloisa, uma Heloisa menos austera,talvez
livre, talvez doce, talvez meiga, talvez carente, talvez solta demais,
talvez moderna demais, talvez... talvez feliz totalmente! Sem precisar preencher
os buracos que sentia no peito com compras ou trabalhos demasiados. O que
acabou resultando em...
M: Não acredito que estou vendo isso!Ricardo!! – Nos olhos
de Maitê podia-se ver decepção, angustia, dor por ter sido traída, não só pelo
“namorado”, mas pela melhor amiga. – Você não poderia ter feito isso
comigo, Helô... – Heloisa, voltando ao mundo real, pois estava tonta com tanto
álcool (não estava acostumada a beber acima do convencional), até tenta falar,
porém a amiga não permite. – Não fale nada, já lhe dei todo o tempo para falar
e você...
Stenio, porém permanece parado, imóvel. Ele tinha seus olhos
marejados, não conseguia e nem queria acreditar que era verdade. “Helô, minha
Helô, nos braços daquele policial? Não era só minha imaginação?”pensava ele.
Ricardo solta Helô, com cuidado para que ela não caia, mal conseguia ficar de
pé.
R: Me desculpem, mas eu preciso conversar com vocês, Maitê.
M: Não, vocês tiveram todo o tempo para me falar, nos falar
e não disseram nada!
A música para. Todos no restaurante os olham. Stenio respira
fundo, não era possível que aquele canalha tenha aproveitado o estado nada
natural que a delegada se encontrava, e
parte para cima de Ricardo.
S: Você vai me pagar!! – Helô, totalmente bêbada, ri sem
entender muito bem.
H: Você vai bater nele? Rá – Sai cambaleando e fica no meio
dos dois. – SSSStenio... Stenio... SSSStenio... – Se a situação não fosse tão
séria, o estado de Helô seria perfeito para uma cena de humor. – Você é muito
burro! Vai bater em um delegado de policia? Vai ser preso, meu quiriiiiiiiido.
– Helô cai perto dos pés dos dois, resultando um ultimo suspiro de Maitê.
M: Não posso mais ver isso. Olha seu estado, Heloisa,
deplorável. E você, Ricardo, não pode ver que ela não estar sã? – Maitê vai
embora, em prantos e Ricardo a segue, deixando o casal principal sozinho no
salão.
A música volta a tocar, as pessoas tentam não olhar mais
para eles, Ricardo e Maitê não eram mais vistos e Stenio continuava ali,
próximo à Helô (que estava no chão). Ele a olha seco, mas na verdade não sabe o
que sentir. Podia ver claramente que ela não estava bem.
S: Levanta! – Fala com desdém. – Helô. – Ela, que soluçava,
levanta a cabeça e o olha. – Levana daí. – Ele estende a mão, ajudando-a a
levantar. – Vamos para casa. – Stenio levanta Helô, bruscamente, estava com
raiva, e a leva para o carro.
No caminho até o apartamento dela, ele se pergunta muitas
vezes o que estava fazendo, mas nem ao menos sabia responder. Só sentia a
necessidade de cuidar dela, não deixa-la para trás, ainda mais da maneira que
estava. Ele dirige olhando fixadamente para frente, não queria encontrar seu
olhar com o dela. Helô, que estava no bando ao lado, dormia e acordava a todo
momento, até que chega uma hora que decide quebrar o silêncio agonizante que
lhe deixava louca.
H: Stenio! – Ele não a responde. – SSSSSStêÊÊnio. – Insiste.
– SSSSTÊÊÊNIIIIIIOO – Exagerando, assim como fez a noite toda.
S: Fala, Heloisa.
H: Você gostou do meu beijo?
S: Como? – Indignado, ele quase bate o carro.
H: Ai... Olha a rua! – se acomodando no bando novamente,
depois da curva bruta que ele havia dado. – Tôô perrrrguntando se você gostou
do meu beijo?
S: Helô, eu não to acreditando que você está me perguntando
se eu gostei do seu beijo, o beijo que você deu no Ricardo! – fala anojado.
H: Não, tá maluco , Stenio!? Eu to falando do nosso
beijo,agora, lá no restaurante... Quer dizer, era o Ricardo, mas depois foi
você, ai depois era o Ricar... – Helô, confusamente bêbada, sente um enjoo e
pede para Stenio para o carro.
O advogado não sabia se sentia pena ou cada vez mais raiva
da mulher. Logo depois de por tudo para fora, ele a ajuda e segue rapidamente para casa. Chegando lá,
depois de muita força e paciência de Stenio, eles conseguem entrar no
apartamento. Helô fazia muito barulho, logo chamando a atenção da empregada.
Creusa fica horrorizada com o que vê. Helô, pálida, cambaleando ao lado de
Stenio, que lhe segurava o braço e não olhava-a nos olhos. Ela tenta caminhar
até o sofá e se joga lá, adormecendo.
C: D. Stenio, o que aconteceu com ela? – Vai ajudá-lo a
ajeitar Helô.
S: Creusa... – Respira fundo, parecia muito triste. – Ela
bebeu todas, gritou, pulou, dançou, fez confusão... Foi horrível. – Passa as
mãos no rosto, tentando apagar as cenas que vinham em sua mente e lhe doíam a
cabeça.
C: Mas D. Stenio, a D. Helô não é de fazer essas coisas não.
– Fala admirada.
S: Mas fez Creusa, mas fez... – Ele se levanta e segue para
o quarto, deixando a empregada sem saber o que fazer.
C: Doutor, espere. E ela? Vai deixar a pobre aqui é? – Eles
a olham com pena e dor, da parte de Stenio.
S: Eu vou tomar um banho, espairecer, depois coloco ela na
cama.
Stenio não conseguia tirar a cena da cabeça, Heloisa
beijando Ricardo, logo ele. Parecia que um buraco havia ser aberto sob seus pés,
havia mesmo perdido seu chão. Em contra ponto ela estava bêbada, fora de si,
talvez até achando que Ricardo fosse ele... Não! Mesmo assim ela o beijara! O
que fazer? O que sentir? Como agir? De repende respira fundo e, com gana,
resolve tomar uma atitude. Corre até a sala, a pega no colo, acordando-a e
levando para o quarto. Creusa observa com atenção.
S: ACORDA, HELOISA – Fala firme, dando levíssimas tapinhas
no rosto dela.- ACORDA! VAMOS!
C: O que o senhor vai fazer, D. Stenio? – Assustada.
S: Vou fazer ela voltar pro mundo real, Creusa. – Volta para
Heloisa e a chacoalha. – ACORDA HELÔ!!!!
Helô abre os olhos, lentamente. Assustada, não sabia nem ao
menos o que estava acontecendo. Da maneira que ela estava, Stenio não via outra
opção. Ele a carrega até o chuveiro, arranca sua roupa e lhe põe embaixo da
água fria. Helô tentava sair, esbravejando, mas ele impedia. Não podia deixar
mais ela da modo que estava. No fundo fazia por raiva também, aquilo não
melhorava a ferida que estava aberta em seu peito, porém ele acreditava que
isso poderia acontecer quando conversassem, assim que ela estivesse sóbria.
S: Creusa, prepara um café puro e bem amargo! – Fala alto,
depois percebe que ela se encontrava no closet, relativamente próxima a eles.
C: Certo. – Ia, mas acaba voltando para dizer um recado. - Olhe,
Dona Maitê ligou. Disse que não era para se preocupar que tudo ficou resolvido,
mas depois ela iria querer notícias da D. Helô. Eu não entendi foi nada, mas...
S: Ta certo, Creusa, que bom para ela. Agora vai pegar o
café para essa maluca aqui! - Ele grita e ela logo atende, com um pouco de
medo, pois nunca tinha visto o padrão naquele estado.
Ainda sob a ducha gelada, ela se vira para ele, com um olhar
malicioso, coloca o dedo na frente da boca e balbucia algumas palavras
molhadas, mas ele não compreende. Resolve repetir, desta vez o puxando para
perto dela. Colando seus corpos, fazendo-o fechar os olhos, procurando forças
para resistir e se manter firme.
H: Você me ama! – Fala à milímetros da boca dele, que agora
estava todo molhado. – Fala! Fala que me ama! – Helô não aguenta a frieza do
namorido, tinha a temperatura mais baixa que a água que lhe doía a cabeça. –
Fala... – Traz seus lábios para perto da boca dele e tenta morde-lo, porem
Stenio a afasta, ríspido.
Sem ter o que queria ela volta a batê-lo e querer sair dali.
Stenio se sentia cada vez pior. Não sabia como e nem de onde tinha arranjado
forças ara aguentar aquela situação. Helô ali em sua frente, nua, lhe querendo,
frágil... Não! Haveria de Resistir. Precisava!
Helô começava, aos pouquinhos, a voltar para si. Ganhando
força, suas pancadas eram cada vez mais fortes e Stenio acaba cedendo e
retirando-a dali. Agora ele a enrola em um roupão e a leva para cama.
Vociferava sem parar, mas ele ignorava. Estava determinado em fazer com que ela
voltasse ao normal, para que ela pudesse ver o tamanho do estrago que fez,
pudesse vê-lo ali... sofrendo.
H: Me solta! – Ele a joga na cama. – O que você quer? – Fala
com a cara no travesseiro. – Me deixa dormir... Tô cansada... E você não me ama
mais... Vai embora...
O tempo passa, mas Stenio não desiste. Creusa, então, entra
no quarto com o café e entrega-o para o patrão. – O que é isso? Eu não vou
tomar mais nada, nem vem nem vem nem vem, meu querido!
S: É café, você vai tomar sim senhora, não adianta reclamar.
– Ele pega a xícara e leva até ela, mas a teimosa vira-se de costas.
C: Toma, D. Helô, a senhora precisa acordar.
H: Mais eu já to acordada, Creusita! – Abre os braços e fica
de joelhos na cama.
S: Crusa, ela já ta melhorzinha, pode ir dormir sossegada. –
Creusa tenta falar mais alguma coisa,pedir para ficar ali seria uma das coisas,
mas o patrão insiste e ela acaba aceitando, deixando-os sozinhos. – Helô. – O
olha serio. – Senta. – Ela obedece, com cara de desconfiada. – Bebe. – Lhe
oferece a xícara, mas ela recusa com um gesto de cabeça. – Bebe! – grita e
respira, tentando voltar ao controle. – Por favor, Helo... – Ela pega a xícara
e dá um gole grande.
H: Eca! – Faz uma careta. – Tá muito amargo, Stenio. – Ele
sorri, ela estava voltando. E, mesmo estando magoado (bastante), não conseguia
mais ter raiva dela. Via apenas a frágil Helô, aquela com qual havia se casado
a mais de 20 anos atrás. O momento de nostalgia o faz esquecer, por alguns
instantes, a noite horrível que tiveram. – Stenio... – Fala com a cabeça baixa.
– Desculpa... – Agora podia-se ver as lágrimas gordas que caiam no café. – Eu
sempre estrago tudo.
S: Por que, Helô? Por que você fez aquilo? – Sua voz era
calma, suave, mas cheia de dor.
H: Eu não sei o que me deu. Estávamos ali, conversando,
quando sei lá, só vinha você na minha mente...
S: Vai me culpar por você ter beijado aquele cara?
H: Não! Nunca! Mas... – Parecia procurar explicações onde
não haviam. Ela não achava palavras, não achava desculpas, não achava o olhar
de Stenio. – Olha para mim...
S: Não consigo.
H: Por favor. – em súplica – Não posso ficar sem te olhar
nos olhos, sempre resolvemos tudo com o olhar. Você sabe que não me expresso
bem com palavras... – Aquilo doía nela também.
S: Deve ser por isso que não demos certo. – Fala se
levantando da cama.
Helô sente seu coração quebrar dentro do peito. Um desespero
a toma conta o ver Stenio indo para longe de si. Ele seguia para o closet. Iria
embora? Deixá-la? Não! O que fazer? O que dizer? Ela até tenta por muitas vezes
fazer algo, falar algo, mas suas tentativas não funcionam. Seu corpo não lhe
obedece. Não saberia viver sem ele! Não saberia mais... Não mais... Luta e
reluta. Mente, corpo, alma e coração pareciam concordar. Chega ao ponto extremo
de sua luta interna e consegue gritar, enfim.
H: NÃO! FICA STENIO! NÃO ME ABANDONA! NÃO ME DEIXA
NOVAMENTE! EU TE AMO! - Stenio se vira,
para o que estava fazendo e a olha descrente ao que acabara de ouvir.
S: Você o que?
H: Eu te amo! Pronto, falei.
S: Você só me disse isso uma vez. Há mais de ... não me
lembro quando foi a ultima vez que disse... – Perturbado, ele se aproxima da
cama.
H: Vacilei, eu sei. Mas me desculpa. – abaixa a cabeça. –
Tudo que eu queria era ser feliz, para estar feliz ao teu lado. – Respira fundo
– Você acorda todos os dias com um lindo sorriso no rosto, me dá bom dia, me
mostra como o dia pode ser belo, mesmo se estiver nublado, - sorri com os olhos
marejados, estava encabulada. – diz que me ama com uma facilidade...
S: Porque, para mim, não tem nenhuma dificuldade te amar. –
Ele fala levantando seu rosto com um leve toque no queixo. – tenta. – Uma lágrima
desce pelo seu rosto e ele a enxuga. – Helô. – Ele senta-se ao lado dela, pega
sua mão e finalmente se miram, se conectam, conversam pelo olhar novamente.
Eles ficam se comunicando desta maneira por minutos.
Encostam suas testas e começam a sincronizar seus movimentos, pensamentos e até
a respiração. As mãos de Stenio começam a subir pelos braços de Helô, ela fecha
os olhos e sorri, sem sair da posição. O advogado continua o movimento, agora
descendo e chegando a sua cintura. Helô engole o medo, não precisava mais dele,
já havia até falado de seus sentimentos... Stenio, delicadamente, a puxa para
mais perto de si e sussurra:
S: Se você disser que me quer, que me aceita de volta, que
ama mais uma vez... – Pausa – Eu fico, eu juro que fico, Helô. – Ela se afasta,
o olha assustada, respira fundo e joga para fora tudo que sentia.
H: Eu não saberia viver sem você. Todos esses anos foram
como uma tortura sem fim. No inicio a raiva me confortava, mas depois... Eu te
quero todas as horas do meu dia, mesmo quando finjo não querer, mesmo quando
minto para mim mesma, dizendo que não! – Ela fala deliberada, com vontade. – Eu
te amo, mas não do mesmo modo que amava antes – ele muda de feição, agora
achado que ela voltaria atrás – Tudo porque te amo mais e mais,
incontrolavelmente mais! – Ela adiciona um enorme sorriso ao rosto, que estava encharcado
de lágrimas. Ele se levanta se cola seu corpo ao dela.
Enfim, ajoelhados na cama, corpo a corpo, rosto a rosto,
alma a alma, Heloisa a Stenio... Parecia não faltar mais nada para fazer com
que aquele momento, aquele momento só deles, ficasse marcado como único. Stenio
foca no olhar de sua amada, tudo em volta desaparece. Ele se aproxima mais
ainda e um beijo é inevitável. Um beijo doce, quente, molhado, cheio de vontade
e desejo, coberto de amor. Este é multiplicado e espalhado pelo corpo, pela
cama...
H: Espera. – segura a cabeça de Stenio, que beijava seu
colo. – Faltou te dizer algo. – O que mais faltava? O que poderia deixar aquele
momento mais perfeito? Stenio, calado, a olha com atenção e curiosidade. – Eu te
aceito de volta. De volta na minha casa,- Pausa- cama, - Pausa - vida... Casa
comigo? – Ele sorri, e tenta corrigi-la.
S: Claro ...Não era eu quem deveria fazer essa pergunta? –
Ela sorri também e nega, com a cabeça. Ele afirma, também com a cabeça. Os dois
repetem os gestos, se aproximando novamente, até que suas bocas se encontram e
eles não têm mais necessidade de discutir, apenas se amar... ali, agora, urgentemente,
mas sem pressa. Forte, mas suave. Cheios de desejos,mas repletos de calmaria. Recheados
de luxúria, mas puros por dentro. Completamente entregue, mas... mas nada.
Apenas se amar, se amar e se amar bastava...
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